sexta-feira, março 10, 2006

Eterno Ary

A Liturgia do Sangue

Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
o gosto a sol e a sangue dos sentidos.
Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.
No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.
(...)
Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!
Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.
Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.
Nus e esnsaguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
e coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.

José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, março 08, 2006

Sentir-me viva, novamente!

Hoje, Dia Internacional da Mulher, poucos meses após ter falecido Alzira Lemos e dias depois de um relatório da Comissão Europeia[1] ter constatado que Portugal é um dos países membros onde o fosso salarial entre os sexos mais se acentuou, importava, mais do que nunca, pensar a situação actual das mulheres e dos homens em Portugal.
As mulheres portuguesas ganham cerca de 10% menos em relação aos seus colegas homens, são elas quem mais tem dificuldade em encontrar emprego, quem mais trabalha a tempo parcial, e quem menos representatividade tem em cargos de direcção.
É um facto que as mudanças comportamentais da sociedade só são possíveis com muito esforço, sendo por isso de valorar o papel das gerações mais novas.
Os jovens e as jovens são veículos por excelência para a transformação social e é neles e nelas que se centram alguns dos projectos europeus que visam a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens.
Importa por isso fazer comparações entre a realidade nacional e a dos seus congéneres europeus.
Quais as directrizes europeias, como se têm aplicado?
Mais de metade da população é composta por mulheres, porém estas ainda não conseguiram obter igualdade no cenário político e nos processos e posições de tomada decisão na esmagadora maioria dos países. São quem ainda acumula tarefas nas várias esferas da vida pública e privada e quem mais dificuldade tem no mercado de trabalho.
Contudo, nos países ocidentais saem em maior número das universidades e em todo Mundo a ONU tem levado a cabo uma cruzada pela escolarização feminina como forma de combate à pobreza.
Em 1985 em Nairobi, a ONU, na terceira Conferência Mundial sobre Mulheres, introduziu uma nova estratégia para as políticas de igualdade de género, trazendo à cena internacional uma nova visão sobre o género que atingiu o seu zénite com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Esta é uma questão de Justiça social!
O artigo 23 (1) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estipula que “a igualdade entre homens e mulheres deve ser assegurada em todas as áreas, incluindo emprego, trabalho e salário”.
A União Europeia tem trabalhado no sentido de corrigir as desigualdades nos diversos estados membros. O método consiste numa abordagem dual, incentivando acções positivas em conjunto com o mainstreaming de género mobilizando todos os protagonistas e firmando responsabilidades.
Esta dupla abordagem tem vindo a ser complementada com: - uma crescente formação e consciencialização do pessoal chave; - e monitorização e análise de dados estatísticos.
O termo mainstreaming de género é relativamente novo e a sua implementação na Europa é recente. O seu conceito deu origem a muitos debates e críticas e o desafio imediato prendeu-se com a sua própria definição.
O Conselho da Europa definiu-o como “consistindo na reorganização, melhoramento, desenvolvimento e avaliação de processos políticas e objectivos para incorporar uma perspectiva de género em todos os conceitos a todos os níveis e estádios por todos os actores políticos envolvidos”.
O mainstreaming de género é sobretudo uma estratégia e um processo, nunca sendo um objectivo em si mesmo, mas uma forma de atingir a igualdade.
Relacionados com toda esta dinâmica estão os jovens e as jovens, que irão herdar e construir uma nova sociedade, sendo por isso tão importante a sua participação e o seu empoderamento, de forma a legitimarem a sua voz no sistema, influenciando a política local e nacional tendo em conta as suas necessidades específicas.
Os Conselhos Nacionais de Juventude de cada país são, por força de razão, os representantes institucionais basilares de qualquer organização juvenil, logo poderão ser, também, o mobilizador por excelência para a intervenção ao nível da igualdade de género junto do movimento associativo juvenil.
Tal acontece, por exemplo, no Conselho Nacional da Juventude da Suíça que implementou uma política de igualdade de género com recurso à abordagem dual referida: acções positivas e mainstreaming. A Suíça implementou um projecto de mentoria chamado de Mulher para Mulher. Este projecto de acção positiva - porque dirigido a um do sexos em que se diagnosticou uma sub-representação - visa incentivar a participação de jovens mulheres (mentoradas) na vida cívica e política do seu país através, nomeadamente, de um contacto próximo com mulheres com reconhecida intervenção na sociedade civil organizada e na esfera política (mentoras).
O projecto de mentoria já vai na sua quinta edição naquele país, tendo sido disseminado para outros países, com algumas variações e adaptações às realidades locais, tais como: - Áustria; - Estónia; - Malta, – e Portugal (onde agora decorre a primeira edição).
Por outro lado, o Conselho Nacional de Juventude Suíço tem levado a cabo toda uma estratégia de criação de estruturas organizacionais que visam a igualdade de género através do mainstreaming: - partindo da prévia existência de uma comissão de raparigas (constituída exclusivamente por voluntárias ligadas, em maior ou menor escala, a diferentes organizações membro de forma a funcionarem como veículo de conhecimentos) e uma pessoa ponto focal para as questões da igualdade de género. A estratégia que adoptaram contemplou vários eventos e realizações: - a recolha de vasta literatura sobre as questões de género, com especial atenção para o trabalho com jovens, precedida pela organização de um seminário dedicado ao mainstreaming; - a criação de um documento político de suporte com conceitos básicos operacionais, objectivos e intenções, destinado ao futuro desenvolvimento do projecto, apontando ainda possíveis riscos e vantagens m termos de implementação no Conselho Nacional de Juventude, seguido de apresentação formal para aprovação pela Direcção assegurando-se, assim, a cooperação de toda a organização.
Após este processo, a comissão traçou uma estratégia que conduzisse a uma maior abrangência e exequibilidade do projecto através de instrumentos vários a serem utilizados no trabalho da organização, levando ao seu efectivo sucesso, tais como: uma fact sheet sobre mainstreaming de género com exemplos de como conceber, implementar e avaliar projectos dirigidos à juventude numa óptica de género; uma checklist para o ciclo de gestão de projectos numa óptica de género; um guia para a definição de instrumentos e suportes comunicacionais com uma forte perspectiva de género em termos de linguagem e imagem e, finalmente, a integração no processo de auto-avaliação anual das e dos jovens que trabalham / fazem voluntariado no e com o Conselho Nacional da Juventude de questões sobre o papel do género no seu trabalho diário e sobre a forma como aplicam os diferentes instrumentos criados.
Outras iniciativas, que irão ser implementadas em breve, são uma formação sobre género a todos/as os elementos do Conselho Nacional da Juventude e uma avaliação sobre a participação de raparigas e rapazes nas reuniões anuais de delegados com o objectivo de diagnosticar a iniciativa de tomada da palavra e participação nas discussões e o tempo de intervenção das raparigas e dos rapazes.
Também na Áustria os jovens e as jovens têm percorrido um grande caminho na demanda pela Igualdade, no Concelho Federal para a Representação dos e das Jovens – foram criados espaços e infra-estrutura que respeitam as necessidades de raparigas e rapazes, levando a cabo eventos, acampamentos e projectos atractivos que reflectem o seu mundo e os seus objectivos; - formaram-se grupos organizacionais de jovens compostos em igual número por rapazes e raparigas, a trabalharem o mesmo número de horas nas mesmas condições; - rapazes e raparigas cumpriram típicas e atípicas tarefas em termos de género; - e foram criadas equipas de um mesmo sexo, i.e., mulheres com raparigas e homens com rapazes, para que pudessem reflectir, experimentar e discutir sensações cruzadas de género fazendo vir à luz uma base de trabalho que pudesse ser posta na prática em campo.
Tendo ainda em consideração a fulcral importância dos média, o Concelho tem uma especial atenção em informar o público de todas as suas actividades.
Estes são apenas alguns dos bons exemplos europeus que continuam a dignificar os modernos valores de que tantos nos orgulhamos.
Portugal ainda tem um longo caminho para percorrer, no entanto as bases estão a ser lançadas dia após dia por várias organizações, das quais a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens é só um exemplo, hoje aqui também se está a construir um futuro mais justo para o nosso país e pelo qual todos e todas nós somos responsáveis!
Por fim gostaria de vos deixar com o pensamento da cineasta alemã, Rosa von Praunheim, segundo a qual “o sexo encontra-se entre as nossas pernas, o género descobrimo-lo entre as orelhas”!

[1] Salários: Portugal acentua divergência entre géneros: in http://diariodigital.sapo.pt/, 24-02-2006.

quarta-feira, março 01, 2006

Súplica eterna...

Não temo quem me procura, menos temo quem me encontra…
Do passado nada tenho a chorar, fui o que fui e nada há a lamentar!
Serei sempre um produto novo e inacabado de mim, dos tempos e de todos aqueles que os atravessam comigo.
Seguros só vos quero a vós, minhas amarras à vida, a que foi e a que há-de vir!
Por favor não me faltem, não me percam num mar de sargaços onde me deixo afundar sem a vossa presença!
Melhorem rápido, de joelhos vos suplico!