sexta-feira, maio 13, 2005

O incomensurável valor da vida nascida e criada!

Irritada, simplesmente irritada, é como eu me sinto neste momento!
Farta da porcaria das convenções e do cunho negativo da herança judaico-cristã que esta treta de sociedade em que vivemos teima em fazer única herança cultural, mais se assemelhando a um espartilho que nos sufoca, de tal modo que condena a nossa conduta ao paroxismo...
Não se julgue que tenho algo contra a herança judaico-cristã... Não, de forma alguma.
É nossa e temos conviver com ela como algo vivo, como deve ser sempre a memória, estruturante de uma sociedade, da qual faço parte.
No entanto, como tudo na vida, tem aspectos bons e maus.
As heranças culturais são por si só construtoras , contudo não devem ser constritoras; são formadoras, objectos de identificação de grupo, nunca devem ser perversamente utilizadas como argumento para condicionar o futuro.
Esta sociedade, com a sua herança judaico-cristã, também é herdeira de outros valores, de outras religiões, de outros modus vivendi. Impossível esquecer Atenas, Roma, os Celtas, as Luzes, e também todo o historial de guerras e perseguições a diferentes opiniões...
Não posso por isso ficar impávida quando um padre de uma aldeia se acha no direito de dar um valor à vida humana...
Não vou colocar em questão os valores, obviamente invertidos, deste senhor! Recuso-me a descer ao seu nível.
Nunca menti em relação à minha postura perante a interrupção voluntária da gravidez. Sempre achei que a mulher tem o direito de dispor do seu próprio corpo, como de resto os homens também têm, mais, sempre defendi que uma criança deve ser desejada, e a sua vinda a este mundo deve ser planeada e rodeada de atenções, como qualquer criança merece... O direito a uma vida com dignidade!
Não posso obrigar ninguém a partilhar da minha opinião, mas devo respeitar todas as decisões tomadas por aqueles que por variados motivos decidiram em consciência ter ou não ter um filho. Chama-se a isto pluralidade democrática, respeito pelo outro e pelas suas opiniões.
Compreendo que a Igreja como instituição tenha uma opinião diversa, já não aceito que essa mesma instituição tenha o direito de objectivamente interferir na vida política de um país democrático. Mas, mais grave, sendo um verdadeiro atentado à condição humana e aos seus direitos, é o facto de um membro do clero vir publicamente afirmar que é menos grave o assassínio bárbaro de uma criança de cinco anos em comparação com o acto medicamente assistido de interrupção voluntária da gravidez.
Pois bem, Sr. Cura, tenho-lhe a recordar que a vida humana não tem valor, que uma criança de cinco anos também não se pode defender, mesmo que grite ou chore nunca vai denunciar o seu carrasco, dado que na maioria das vezes ela se confronta com a dor de sofrer as sevícias de alguém a que ela ama e que a deveria amar, tal como Cristo, ela ama o seu inimigo!
Mais, devo-lhe ainda lembrar que enquanto ainda hoje se discute se um feto é já um Ser Humano, com alma (para quem é crente nela), passível de personalidade jurídica; de uma criança ninguém duvida.Imagine até tem alma!
Se calhar não sabe, mas até ao séc. XIX as crianças só contavam como pessoas depois dos sete anos, até aí, e devido ao alto índice de mortalidade infantil, eram consideradas apenas Almas de Deus, não constando inclusive nos registos paroquiais, razão para não contarem numericamente para a vida paroquial. Mas, já nessa altura eram consideradas indefesas e impolutas, de tal forma que estas alminhas, mal morriam, e caso tivessem sido convenientemente baptizadas, ascendiam logo aos céus.
Pois bem, há-de convir que uma alma vale por si só e por isso nunca vale mais do que uma outra, muito menos a sua morte!
Até Cristo sabia que as crianças estão indefesas, daí ter pedido para as deixarem ir até ele, para as proteger dos males deste mundo e de pessoas, que como o senhor, acham o assassinato de uma criança um mal menor, até porque ela hipoteticamente “poder-se-ia ter defendido”!
Deixe-me só dizer-lhe do alto do meu humilde agnosticismo, que para mim uma vida humana vale o mesmo, seja ela um recém-nascido ou um velho de noventa anos, não tem valor, e acredito que se Deus existe, chame-se ele Deus, Jové, Zeus, Ser Supremo,..., fale que língua falar, também não há-de dar mais valor a um ser do que a outro. E na sua infinita misericórdia hão-de ter especial atenção os mais desfavorecidos, especialmente as crianças, as que já nasceram e nunca pediram para tal!

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