segunda-feira, outubro 24, 2005

Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
António Gedeão

domingo, outubro 16, 2005

Carta aberta a um Vírus

Exm Senhor, para que nos entendamos de uma vez para a eternidade, e brindo em honra da nossa palavra ad eternum jamais trocada, venho-lhe por este meio tentar esclarecer algumas ideias que pairam pela sua excelentíssima testa, com ares de suprema arrogância...
Antes de mais devo-lhe adiantar que um dos valores que mais prezo é a honestidade e que detesto padecer do mal do santo espírito de orelha, tanto quanto de males infligidos por auto-suposições devidas à falta de esclarecimento honesto à priori!
Dito isto, passo a informá-lo de que sou extremamente insegura, aliás orgulho-me de padecer daquela insegurança típica dos amantes, que lhes permite investir cada vez mais no ser amado, abjurando o erro de o ter como um dado adquirido e sempre presente.
Porém, jamais, alguém me pôde acusar de ter tido um comportamento próximo de uma crise de ciúmes, pelo simples facto de nunca ter sujeitado ninguém, inclusive a minha própria pessoa, a tamanha experiência. Caso, alguma vez, tenha dado essa impressão, pense bem e reflicta na possibilidade de tal comportamento, que descrevo apenas como uma mostra de olímpico desprezo contra unicamente uma das pessoas presentes, o Senhor, se dever a atitudes tomadas anteriormente por si próprio (ou acaso pensa que comportamentos de desonestidade, falta propositada de dialogo ou comunicação, ausência física intencional, e violência psicológica e emocional, não são argumentos bastantes para justificar tal atitude perpetrada pela outra parte?). Mais, se acaso houve embaraço dos presentes, acredite, o mesmo se deveu ao facto de o Sr. ter tido um comportamento para comigo que ninguém estava à espera, inclusive eu própria (para que saiba dois beijinhos no rosto, além de serem amistosos, também podem ser um acto de humilhação e toda a gente fica incomodada com o facto, não só os personagens envolvidos no dito beijo. Esperava-se no mínimo um beijo nos lábios, e três pessoas ficaram atónitas pelo não ocorrido).
Como vê, tudo menos ciúme, infelizmente a explicação é bem menos prosaica!
Mas, mais lhe venho esclarecer: - que eu mereço quem me ame perdidamente pelo que sou e que se sinta apaixonado agora e sempre, mesmo sabendo que o sentimento pode mudar de intensidade, mas jamais de intencionalidade! Mereço alguém que se sinta confortável, e até mais do que bem, comigo, gosto de ser porto de abrigo, amante (de preferência muitas e boas vezes), companheira e melhor amiga.
Gosto acima de tudo, de alguém que tenha tempo também para mim, e que faça gala nisso e não o contrário!
Quase a terminar, e fazendo algo que jamais fiz e que detesto fazer, vou pela primeira vez comparar dois Ms. Ao contrário do que imagina o M com que tanto se sente incomodado não foi o meu grande amor, fui um amor grande com começo e fim, bom, que me realizou enquanto mulher, mostrando-me o meu real valor, já o outro, o tal grande amor foi protagonizado pela ideia que eu tinha de si e que perdurou erroneamente por oito longos anos. Infelizmente, confesso, não o amei de forma tão pura e magnânime, esse foi o amor que eu dediquei à bela imagem que tinha de si (o reflexo perfeito do narciso)!
Tinha completa razão quando se considerou o vírus da minha vida, é-o! Mais, é um vírus terminal que eu alimentei primorosamente, culpa minha...
Mas como doença terminal que é, acaba por matar o hospedeiro, e neste caso não sou eu, mas sim o sentimento sofrido que eu nutria por si! Devo ainda confessar que me sinto muito triste, pelo que poderia ter sido e não foi e pela enfim morte do sentir, mas sobretudo sinto um grande alívio porque o doente terminal, que eu tão amorosamente acompanhei, finalmente morreu, o sofrimento terminou, está em paz!
Caro Senhor, ser humano, instigo-o a discordar de todo este meu lamento, caso ache que de alguma forma se sentiu injuriado ou injustiçado, para esse efeito encontram-se à sua disposição diversos meios de se manifestar, o telemóvel é um deles, caso não se encontre perdido...
Pela minha parte, nada mais tenho a acrescentar!

quinta-feira, outubro 13, 2005

Nuvens correndo num rio

Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.



Natália Correia

quarta-feira, outubro 12, 2005

Raiva

Seria talvez politicamente correcto desejar-te uma vida feliz, mas não o vou fazer, não o farei!
Recuso-me a rasgar ainda mais as entranhas do meu sentir, já de si desmembradas, com tamanha mentira.
Confesso que desejo que vás para o "raio que te parta" e que todos os raios do mundo te caiam em cima, confesso que te desejo uma imensa dor de solidão, confesso que te desejo x, y, e w...
Deveria dizer que ao arrepio da rejeição, que como suposta alma nobilíssima, angelical e ainda tua amante no sentir, te desejo o melhor... Mas não o farei, já disse!
Sou apenas uma mulher muito zangada, contigo e comigo mesma, frustada, exangue personificação da dor de alma, a que dói mais. Confesso-me amargamente dolorida, o que te imputo a ti, imputo-me sobretudo a mim: a, b, c, e f, e h...
Enraivece-me sobretudo a ideia de a culpa última ter sido essencialmente minha, por um dia ter acreditado e reiterado o erro por muito, demasiado, tempo... Não te poderei desejar nada de bom...
Sou apenas humana no ser e no sentir, mulher que luta por fazer um luto, por sobreviver a ele, com a suprema esperança de que o próximo suspiro, seja não de tristeza, mas de outra coisa qualquer, porque ser-me-ás então totalmente indiferente!

Horas findas

Romperam, quebraram-se irremediavelmente, os frágeis fios de seda que teci à nossa volta!
Sem barulho, com muito sofrimento, imensa desilusão, grande frustação, demasiado desespero, maior ausência e ao som dum silêncio estridente, foi assim que, um após outro, todos os fios se foram rasgando, deixando-me exposta a alma às vagas salgadas que a assaltam consecutivamente, impunemente.
Espraio-me no chão, com os olhos a tentarem reconhecer os caminhos por onde apenas eu andei, insisto em tactear os passos que não deste, os lugares que não abandonaste, pelo simples facto de nunca lá teres estado.
Sinto ter vivido durante demasiado tempo numa realidade dolorosamente onírica, dançado sozinha um tango que era só meu, crente num par que nunca se deu.
É tarde, demasiado tarde...

quinta-feira, outubro 06, 2005

Novo nada

Novo corte de cabelo, mais louco ainda do que o habitual.
De resto... Tudo, invariável, ameaçadoramente... na mesma!
Tentativa vã de ser igual a mim própria, frustação máxima de quem muda para que tudo fique igual!
Nem mudar se pode totalmente, pobre do eu!

Desejo

Olhos suspensos em altaneiros castelos de fumo,
Mãos juntas em concha a transbordar de nada...

quarta-feira, outubro 05, 2005

O degrau da falta

Não consigo descrever a sensação de terramoto passado que sinto na alma.
O peso é grande, a destruição dos sentidos maior!
O que habitava nos meus olhos deu lugar à desilusão, mais uma vez, mais outra vez...
De mim só restam ruínas fumegantes que teimam em me recordar o que não sou, o que nunca fui e jamais serei...
Certeza só uma: as construções são sempre muito altas, ondulantes, incertas, a perigarem o desabamento eminente!
A destruição em massa é o que resta do meu ego, do eu, superlativo e obtuso!
No fundo, bem lá no fundo, é tudo um engano, suprema ironia, ou talvez simples cortesia de quem não tem coragem!

terça-feira, outubro 04, 2005